sábado, 19 de abril de 2014

CRÔNICAS

TAPEANDO

Só agora, dois meses para Copa do Mundo, as autoridades responsáveis por aquilo que ficou popularizado como “o legado” começa admitir que as obras que assumiram não estarão prontas a tempo de receber os turistas esperados para a ocasião. Sinto muito, fica pra depois, e cara alegre.

Nos últimos sete anos, não há um presidente da República, um governador de estados onde ficam as cidades-sede, um prefeito destas cidades que não tenha culpa no cartório. Todos prometeram cumprir prazos, organizar aeroportos, melhorar a mobilidade, urbanizar a área em torno dos novos estádios, inaugurar estádios com antecedência... E nada foi feito. O Brasil piorou muito nos últimos sete anos.

E aí vem o presidente da Infraero, Gustavo do Vale, e, diante da evidência de que seis aeroportos administrados por ele (Confins, Cuiabá, Curitiba, Salvador, Porto Alegre e Fortaleza) não terão suas obras concluídas antes da Copa, diz que “podemos tapear as obras de modo que melhore a operacionalidade sem terminar ela como um todo”. Desconfio da eficiência de qualquer administrador que usa a expressão “operacionalidade” para falar de seu trabalho. Mas Do Vale foi mais longe. Ele admitiu “tapear” as obras. Em outras palavras, quer enganar os usuários, fingindo que não há obras em andamento.

É verdade que a Infraero é uma empresa que perdeu toda a credibilidade. Mas o sujeito aceitou ser seu presidente. Ninguém o obrigou a isso. Ele está lá há três anos e duvido que, no cargo que ele aceitou ocupar, tenha alguma prioridade acima da entrega de aeroportos dignos de serem usados pela população brasileira. O sujeito fica três anos responsáveis pelas obras em seis aeroportos para, dois meses antes do prazo final de entregá-las, dizer que vai dar uma tapeada? 

Com uma única declaração, o senhor Gustavo do Vale admite um retrocesso de 200 anos no desenvolvimento do país. Foi em 1811 que o regente Dom João obrigou a todos os moradores do Brasil a substituírem as gelosias de suas residências por janelas de vidro. As gelosias são as bisavós das venezianas, proteção de janelas muito popular no Rio de Janeiro até a alguns anos. Pelas gelosias, quem estava dentro de casa via o que acontecia na rua, mas quem estava na rua não via o interior das casas. Com a obrigação de instalar janelas de vidro, o carioca sentiu vergonha. Afinal, a maioria das casas não era mobiliada. As salas de visitas costumavam ter esteiras e, quando eram mais bem equipadas, uma mesa. Com as janelas de vidro, os estrangeiros, principalmente os ingleses, que freqüentavam a cidade, descobririam as condições franciscanas em que quase todos viviam. Foi um corre-corre da população para mobiliar pelo menos as salas, tudo para inglês ver pelas janelas de vidro.

O senhor Gustavo do Vale retomou a prática do Brasil Colônia. Quer mobiliar a sala para inglês ver.

Enquanto isso, em Guarulhos, a concessionária que ganhou a concessão para administrar o aeroporto mostra seu primeiro trabalho: criou uma sala VIP onde, por 800 reais, qualquer passageiro pode aguardar com conforto a espera de seu avião. A lotação de tal espaço diferenciado (para usar outra expressão de uso corrente entre executivos do Brasil) é de 20 pessoas. Deixa eu ver se entendi: o governo entregou o aeroporto para a iniciativa privada pensando em dar mais conforto para os passageiros, e a primeira medida que aparece é criação de uma área para 20 pessoas dispostas a pagar 800 reais? Eles também estão tapeando.


Autor: Artur Xexéo




NEM LUXO NEM LIXO

Há algo curioso no balanço da primeira semana de funcionamento da campanha Lixo Zero, promovida pela prefeitura. Então, 90% das multas aplicadas pelos fiscais foram a sujismundos que jogaram guimbas de cigarro nas calçadas. O carioca que fuma é mesmo mal acostumado neste quesito. Trata a guimba como se ela não fosse lixo. Mas não é só o carioca. Em Nova York, fumantes também costumam jogar guimbas na rua. Nem por isso as calçadas de lá parecem tão sujas quanto as daqui. 

Em Seul, uma das cidades mais limpas do mundo, há estações para fumantes no meio da rua. Caixas de areia circundam postes, e coreanos que fumam ficam ali, parados, até enterrar sua guimba. Apesar disso, há garis pelas ruas com material específico — uma espécie de lança — só para catar guimbas (eles usam também um produto especial para fazer com que chicletes desgrudem das calçadas). Se em uma semana de atuação a prefeitura só conseguiu multar jogadores de guimba, alguém pode me explicar como é que o resto do lixo vai parar nas calçadas? 

A campanha é boa, a multa pode ajudar, mas tudo seria melhor se a prefeitura iniciasse a ação Lixo Zero após dar uma geral nas lixeiras da cidade. Sabe-se que elas são inadequadas. Não seria muito mais simpático se as multas começassem a ser emitidas depois de uma alteração no design das caixas coletoras? Assim, cada um faria a sua parte. O sujismundo pararia de jogar guimbas nas calçadas, a prefeitura ofereceria lixeiras decentes. As papeleiras cariocas só servem para lixo de pequeno porte. Uma das imagens mais feias da cidade é o lixo na calçada acumulado em volta delas. E as plaquinhas de alumínio que fazem parte da papeleira e supostamente servem para o carioca que fuma apagar seu cigarro e, depois, jogar a guimba naquela caixinha de plástico bonitinha mas ordinária já não existem em muitas das lixeirinhas da Comlurb. 

Para não ser multado, o jeito é apagar no plástico mesmo. Mas nada me tira da cabeça a pergunta que não quer calar: se 90% do lixo jogado nas ruas são guimbas de cigarros, como é que 10% são capazes de sujar tanto as calçadas? 

Além da prefeitura, o Rock in Rio também está preocupado com o lixo. A organização do festival está gastando R$ 20 milhões em propaganda para conscientizar a população carioca a deixar sua cidade mais limpa. Ou menos suja. A campanha ganhou o slogan “Lixo no lixo, Rio no coração”. O argumento é o de que não faz sentido a cidade mais bonita do mundo ser também a nona mais suja. Não sei não, mas acho que o Rock in Rio contribuiria mais para a limpeza da cidade se aplicasse estes R$ 20 milhões numa reforma das papeleiras. Ou no auxílio para aumentar a quantidade de lixo reciclável no Rio. O Rock in Rio sabe do que está falando. Ele é um grande produtor de lixo. No festival de 2011 foram recolhidas 311 toneladas de dejetos acumuladas durante toda a festa. Seu diretor, Roberto Medina, sabe que só conscientização não basta e, em entrevista na semana passada, anunciou que “não está resolvido ainda, mas pensamos em dar uma bag ecológica”. 

Vem cá, o festival começa no dia 13 de setembro, e seu diretor ainda está “pensando” em como diminuir o lixo na Cidade do Rock? Na mesma entrevista, Medina diz que, em Lisboa, a área onde é realizado o Rock in Rio de lá fica mais limpa depois do evento do que antes. Sem querer desmentir Medina, não é o que diz a imprensa portuguesa. De acordo com o “Diário de Notícias”, após o show de Amy Winehouse, em 2008, foram recolhidas 14 toneladas de lixo. É bem menos do que é recolhido no Rio. Mas ainda é lixo à beça. E, como diria o Ancelmo, bag ecológica é o cacete. 

Deixa-me eu ver se entendi: a presidente Dilma, insatisfeita com o trabalho do ex-ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota, tirou-o de Brasília e o mandou para Nova York. Fico imaginando o que ela não é capaz de fazer quando fica satisfeita. 

Dou a maior força para este projeto "Mais Médicos" do governo. Se o Brasil tem carência de mémédicos, se médicos brasileiros não querem trabalhar em certas áreas do país, não há por que ser contrário à importação de profissionais estrangeiros. O que não entendo é o motivo de esses mémédicos receberem o privilégio de não se submeter ao Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida), aplicado a qualquer profissional com diploma expedido por faculdade do exterior. É por que o Revalida é muito difícil? Então, os médicos que estão sendo importados nãnão precisam ser tão bons? É porque o curso de três semanas que o governo vai aplicar já é suficiente? Mas então não seria suficiente também para os outros, os que não querem participar dos Mais Médicos? É porque vivemos uma situação de emergência? Vem cá, a medicina brasileira vive uma situação de emergência há muito tempo. E nem por isso o governo pensou em acabar com o Revalida. Ou o Revalida é necessário ou é só mais um entrave burocrático entre tantos existentes no Brasil. 

Nada justifica a agressividade com que vêm sendo tratados os médicos que chegaram aqui. Em Fortaleza, eles encontraram um corredor polonês formado por médicos cearenses na saída de uma aula. No Brasil, o direito a manifestação tem sido confundido com porrada. Quem é contra o sistema financeiro internacional depreda agências bancárias. Quem é contra a CPI dos Ônibus joga ovo em vereador. Quem é contra o resultado de futebol agride a torcida contrária. Quem é contra médico cubano faz corredor polonês. Conversar, que é bom ninguém conversa. 

Com todo o respeito que a senadora Marina Silva merece esse partido Rede Sustentabilidade já começa chato só pelo nome. 

Autor: Artur xexéo
Site: www.reflexao.com.br




A IMAGEM 

O Rio se olha no espelho e não gosta do que vê. Ali, no meio da testa, entre os olhos, estão as rugas de um estádio de futebol novinho, orgulho das autoridades que o chamam de “legado do Pan”, que precisa ser interditado por falta de segurança. Uma aplicação de Botox disfarça. Agora, é o pneuzinho na barriga formado pelo BRT, única novidade no transporte público nos últimos anos, vendido como solução para o futuro, que provoca uma morte atrás da outra na Avenida das Américas. Uma lipoaspiração dá um jeito. E as marcas de expressão que surgiram em torno dos lábios, consequência da fragilidade do Elevado do Joá que parece estar se desmontando? Um preenchimento labial resolve por enquanto. Pronto, o Rio já pode sair de casa sem provocar comentários maldosos dos vizinhos. 

Mas, de repente, a cidade sofre um baque que não há cirurgia plástica que resolva. Um casal de turistas é atacado — ele é agredido, ela é estuprada — pelo motorista e por dois amigos seus numa van que os transportaria de Copacabana para a Lapa, percurso corriqueiro de turistas no Rio. E agora? O que os vizinhos vão dizer? A imagem da cidade está manchada, justo no momento em que ela se apronta para receber grandes eventos. 

O Rio é vaidoso, todo mundo sabe. Mesmo assim, é difícil compreender porque, numa situação como esta, preocupa-se tanto com sua imagem. Alguém imagina que a Jornada Mundial da Juventude, a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos serão suspensos porque uma turista foi estuprada no que supostamente era um transporte público carioca? É claro que não. Mas e os turistas? Será que eles não vão evitar vir ao Rio por causa disso? Tomara que sim. Se for para serem estuprados em meio ao caótico transporte público da cidade, é melhor que não venham mesmo. 

Imagens não fazem uma cidade. O Rio insiste em não acreditar nisso. Basta que um episódio de "Os Simpsons" brinque com algumas de suas mazelas para o programa de TV se transformar num incidente diplomático. Há oito anos, o seriado americano “Dexter” destrói a imagem de Miami. Se alguém levar a série a sério, vai acreditar que Miami possui a maior concentração de serial killers por metro quadrado de todo o planeta. Mesmo assim. a turistada, principalmente a brasileira, continua invadindo a cidade. 

O caso da van que abalou a população no último fim de semana é exemplar. Três tarados pegaram emprestado uma vã ilegal e circularam pela cidade em busca de uma vítima. No meio do caminho, antes de encontrarem seu alvo, pegaram outros passageiros. Quando, enfim, o casal de turistas embarcou, despejaram os passageiros extras e atacaram a dupla de turistas. 

Algumas perguntas: como é que uma van ilegal circula impunemente pela cidade? Pelo que se soube depois, não foi a primeira vez. Por que os passageiros que foram obrigados a desembarcar não procuraram a polícia para contar o que estava acontecendo? Por que a polícia não fez nada quando recebeu a queixa de um caso anterior semelhante? 

As vans são poderosas no Rio. Não há governador neste estado que consiga administrar em paz sem fazer um tipo de acordo qualquer com seus proprietários. Ela é o exemplo mais evidente da falência de nosso transporte público. Vans ilegais circulam com a mesma desenvoltura das vans que o governo legalizou. É impossível botar um policial dentro de cada van para impedir crimes no interior do veículo. O Rio resolveu impedir a circulação de motoristas embriagados e criou a blitz da Lei Seca. Está dando certo, não está? Será que é muito difícil criar blitz para as vans? Não precisa ser uma ação que se espalhe pela cidade. 

Mas, se houver blitz-surpresa em ruas de circulação de turistas, já não seria um adianto? Afinal, as vítimas do fim de semana passado não embarcaram num ponto obscuro da cidade, mas na Avenida Atlântica, em Copacabana. Não deveria ser fácil circular como uma van ilegal numa das ruas mais movimentadas do Rio. 

Não é um exercício de imaginação supor que os passageiros que estavam na mesma van dos turistas não procuraram uma delegacia porque “a polícia não vai fazer nada mesmo”. Eles já deveriam estar aborrecidos por ter seu percurso interrompido. 

Ainda iriam se preocupar em passar a noite numa delegacia, driblando a burocracia e o desinteresse de policiais para fazer uma denúncia? Taí uma imagem com que o Rio deveria se preocupar: a imagem da polícia. 

Talvez essa imagem precise mesmo ser mais bem divulgada. Se há algum ponto positivo nesse caso é a rapidez com que a polícia prendeu os três suspeitos. Menos de 48 horas depois do crime já estavam todos detidos (resta saber por quanto tempo). Mas tudo tem seu contrapeso. Ao mesmo tempo em que os três tarados foram identificados, outra vítima do grupo os reconheceu. E a população ficou sabendo que ela já tinha dado queixa numa Delegacia de Mulheres. Se a polícia tivesse agido naquela ocasião com a mesma desenvoltura com que agiu agora, o crime contra os turistas não teria acontecido. Como se vê, não é por acaso que a imagem da polícia do Rio está desgastada. 

A imagem do Rio e a possibilidade de turistas estrangeiros se sentirem desestimulados a nos conhecer é o menor problema dessa história toda. Quando a cidade se olhar no espelho e vir o que ela realmente é por debaixo das muitas camadas de maquiagem e aplicações de Botox, talvez o Rio descubra como se tornar uma cidade maravilhosa de verdade. 

Autor: Artur Xexéo



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