AS CELEBRAÇÕES DA VIDA
Ontem, pleno Dia dos Namorados, parei atrás de um senhor na fila de frios do supermercado. Pediu salsichas. “Não. Coloque menos, por favor”, disse à pessoa que o atendia e virou-se para mim: “Só a minha mulher comia salsichas comigo. Ela morreu há dois anos depois de vivermos 51 anos juntos. Minha filha que mora comigo prefere não jantar. Faz dois anos que não tenho companhia para comer salsichas.”
O que eu poderia dizer? 51 anos é mais do que eu já vivi. Por um instante me imaginei partilhando a vida e salsichas com alguém por mais de meio século, mas o homem voltou a desabafar comigo: “Não tem nenhum dia em que eu não pense nela. É duro, viu? Não é só a salsicha, ela fazia uns doces maravilhosos. A menina que trabalha lá em casa também faz, mas não é a mesma coisa.”
Não, não é. Ele sabe que não são doces nem salsichas que lhe fazem falta, mas a pessoa a quem essas coisas remetem, alguém com quem partilhou 51 anos de caminhada e que não voltará. Mesmo assim, ele precisa jantar salsichas e comer doces para celebrar os momentos que ele teve e que atestam que ele viveu. Todos nós precisamos de celebrações próprias para marcar alegrias e tristezas, celebrações de chegadas e de adeus. O problema é que não temos esse costume. A internet, o telefone, o shopping center acabam se tornando os altares para expurgar nossas dores. Não temos uma celebração para o fim de um namoro, para um divórcio, para a perda de um emprego nem para os pais que sofrem um aborto, por exemplo.
Quando sofri o fim de um lindo namoro, minha amiga Beth percebeu o tamanho da minha dor e se ofereceu para, no Dia dos Namorados, fazer sua especialidade na minha casa, uma lasanha com manjericão. Com a minha mãe, compramos juntos os ingredientes e cozinhamos aquele prato. Em volta de uma bonita mesa, comemos e bebemos. Sempre debochada, Beth tirou sarro da minha situação, fez piada da vida e nos empanturrou com uma maravilhosa massa. Ela foi a sacerdotisa daquela celebração que marcou o fim de uma bela parte da minha vida. Revigorado, recobrei esperanças, realimentei sonhos, continuei a vida e vivi histórias ainda mais belas do que aquela que havia deixado para trás.
A partilha do pão com os amigos é a nossa maneira de agradecer aos céus por tudo de bom que vivemos, tudo de belo que somos e tudo de importante que perdemos e tivemos de deixar para trás. Levantar uma taça de vinho serve também para encerrar algo maravilhoso que vivemos e já não temos, não para lamentar, mas para transformá-los em tinta a fim de escrever capítulos ainda melhores que os passados, mesmo que nunca iguais. Nossos banquetes de despedida devem celebrar a vida e dizem mais a nós mesmos do que a qualquer outra pessoa. Por isso, o prato principal pode ser caviar, pizza, lasanha ou salsicha.
Autor: Fábio Reynol
Blog Diário da Tribo
13/06/2008
ADMITE
Lamento admitir, mas o Nelson Rodrigues tem razão, o amor não morre. Nunca. Por mais que o enterremos, o afoguemos, tentemos esfaqueá-lo, esquartejá-lo ou incinerá-lo, ao contrário do frágil ódio, o amor perdura. O amor que foi continua sendo. Mesmo se a decepção, a traição, o rancor, o ciúme, o egoísmo ou a morte tenham destruído um relacionamento, o amor que um dia aconteceu é para sempre.
Podes sentir ciúme dos “ex”s de tua amada. Aqueles que passaram pela vida dela carregam um todo dessa mulher que tu nunca vais ter. Do mesmo modo, as ex-namoradas de teu marido das quais “roubaste” o cargo de esposa, roubaram de ti românticos capítulos da juventude desse homem que jamais terás. Mesmo que hoje ele as odeie, as despreze e nunca mais as veja, um todo de cada uma delas está presente nele. Para sempre. Quem pode roubar de nós o primeiro beijo roubado? O primeiro é o primeiro. Se tu não foste o autor do primeiro, tu serás, no máximo, o primeiro de língua, o primeiro na padaria, o primeiro com aparelho nos dentes... O primeiro mesmo, meu caro, já foi e dela ninguém tira. Admite.
Admite o quão verdadeiros foram as confissões babacas ao pé-do-ouvido, as primeiras flores recebidas, as fugas e desculpas para ver o “grande amor da minha vida”, o beijo flagrado naquela tarde embaixo da mangueira e que só foi o que foi porque teve um beijo, um abelhudo e uma mangueira que jamais voltarão. Não precisam. São eternos. Ainda que o amado tenha sumido, o abelhudo, morrido e a mangueira, sido cortada.
Admite que teu amado de hoje foi aprimorado pelas outras mulheres que ele amou. Que as flores que recebes hoje são filhas do primeiro buquê que ele comprou cujo perfume ainda está nele. Admite que a paciência dele com tua TPM foi conquistada por outra menina que não contou com a mesma complacência. Que as delicadezas que ele hoje tem contigo não vieram das conversas com os amigos, mas de aulas práticas ministradas por almas do sexo feminino.
Admite que tua mulher não virou mulher em teus braços e que nem por isso é menos encantadora do que aquela primeira que te fez homem. Aceite o fato de que o olhar carinhoso que hoje te derrete foi ensaiado em outros rapazes e que os beijos que agora recebes são jóias lapidadas por outras bocas. Graças a elas, não recebeste um diamante bruto. Admite que teu amado não é teu. Há nele algo tão “ele” que jamais terás, feito de partes que outras tiveram, feito de um todo que também levarás.
Admite que tua amada não é tua. Há nela um Bruno, um Carlos, um Luís tão dela quanto ela mesma. Amores verdadeiramente amados que nunca morrerão e que a fazem ser quem é, que fazem todos ser quem são.
Admitir isso é o começo do Amor!
Autor: Fábio Reynol
29/08/2007
Blog Diário da tribo
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